domingo, 8 de maio de 2011

O Dia em que ganhei a São Silvestre

Monte Dourado é uma cidade do Pará, que fica às margens do rio Jari, bem na fronteira com o Amapá. Foi construída para ser a sede do Projeto Jarí, pelo bilionário americano Daniel Ludwig.  Morei lá,  entre os anos de  86 e 87. As casas, todas no estilo americano, variavam das mais simples às mais sofisticadas, de acordo com o status de seus moradores, todos funcionários da empresa. As ruas, sem calçamento, eram limpas e bem cuidadas.  A cidade dispunha de tudo um pouco. Um supermercado, um Banco, uma farmácia, uma loja de eletrodomésticos, um hospital, um clube de lazer, ( Jariloca – assim chamada por se assemelhar a uma oca, feita de palha, uma gracinha!!), um restaurante,  e assim por diante.
 Do outro lado do rio, já no Amapá,  fica a Vila Laranjal do Jarí, também chamada  de “Beiradão”, onde se alojavam os funcionários mais simples, os chamados “peões”, e aqueles que não trabalhavam na empresa. Era o oposto de Monte Dourado. Casas construídas sobre palafitas, condições precárias de higiene, mas era um verdadeiro shopping Center. Quase tudo o que não encontrávamos em Monte Dourado, encontrávamos lá, de roupas a materiais eletrônicos.
Eu e meu marido trabalhávamos  no hospital de Monte Dourado há alguns meses. Fazia pouco tempo que havíamos nos casado e sido transferidos para lá.  Morávamos numa casa de classe média, simples, mas bem confortável. Não pagávamos aluguel, pois todas as casas pertenciam ao Projeto Jarí,  e quem trabalhava lá tinha direito de morar de graça.  Em frente  à minha casa, morava Fernando, o anestesista do hospital, e sua mulher Francis. Bem próximo da minha rua, por trás, já era selva. Acordávamos todos os dias com o canto dos pássaros, e era freqüente algum bichinho selvagem invadir a nossa casa de surpresa.
Naquela  noite,  fomos dormir cedo, talvez não fosse ainda 9 horas. Faltara energia na cidade, e, sem muitas opções, depois de um dia cansativo de trabalho, resolvemos ir descansar. Pensei ter dormido por  muito tempo, quando, lá pelas tantas, acordei com um barulho estranho de algo crepitando, algo parecido com estalos de bombinhas de São João. Levantei meio atordoada, e olhando pela janela, vi um clarão, que, a princípio pensei ser o dia amanhecendo. Olhei o relógio e vi que não passava ainda da meia-noite!!
Acordei meu marido e fomos para fora de casa, na tentativa de descobrir o que estava acontecendo.  Ao olhar em direção à mata vimos que estava havendo um incêndio, e parecia ser de grandes proporções. Parecia que a mata toda estava pegando fogo, e o fogo parecia vir em nossa direção! Pessoas passavam correndo de um lado para outro, mas ninguém parava para dizer o que estava acontecendo, se realmente era a mata que estava queimando. O medo tomou conta de mim, e eu só pensava o pior!  O que fazer, naquela situação? Ir para longe, em busca do rio, ou sair em direção ao fogo, saber o que estava acontecendo? Talvez alguém estivesse precisando de ajuda! Num ato de coragem, resolvemos optar pela segunda opção, mas antes, resolvemos acordar Fernando, que, pelo silencio em que se encontrava sua casa, não parecia estar ainda a par da situação. Batemos várias vezes à sua porta, até que ele respondesse com voz sonolenta. “Fernando, acorde, a mata está pegando fogo!! ”  Ele resmungou algo, tipo, “E o que eu tenho com isso?” Mas, quando insistimos em dizer que o fogo estava vindo em nossa direção, e que provavelmente atingiria as nossas casas, pareceu que ele tinha recebido um banho de água gelada. Imediatamente estava ele ao nosso lado, pronto para ir ver direito o que estava acontecendo. Por motivo de segurança, Francis resolveu ficar em casa aguardando, já que eles tinham um filhinho de 2 anos.
Saímos então, eu, meu marido e Fernando, caminhando em direção àquela imensa fogueira. No caminho íamos encontrando pessoas que já vinham voltando apressadas, mas ninguém queria parar para explicar, na verdade, ninguém sabia direito explicar o que estava acontecendo. Algumas pessoas, como nós, também iam em direção ao fogo. Na minha cabeça passavam mil idéias e eu já me imaginava atravessando o rio e indo morar no Beiradão!!
Foi então que aconteceu. Até hoje, não sei explicar direito o que senti!! De repente, aquela explosão, um estrondo imenso!!  Paramos, os três, atônitos, observando aquele imenso cogumelo gigante que surgia no céu. Parecia uma explosão nuclear. Eu só tinha visto algo assim em filmes. Milhões de pensamentos atropelavam minha cabeça. “Vou morrer hoje, sem ver novamente meus pais, sem rever meus amigos e sem voltar pra Paraíba”. E, enquanto estava lá, paralisada, atordoada por esses pensamentos, veio uma segunda explosão! “Pronto, é agora que vou morrer”, pensei! Daí em diante, não raciocinei mais. O sangue congelou em minhas veias, enquanto o calor do fogo aumentava cada vez mais e os estrondos ecoavam em meus ouvidos. O primeiro cogumelo já começava a se dissipar, mas o segundo ainda estava lá, bem desenhado no céu, quando aconteceu o terceiro. Foi demais para mim!! Dei meia volta e não pensei em mais nada, não ouvia mais nada! Corri tanto, como nunca na minha vida! Nunca fui de praticar esportes, às vezes até fugia das aulas de educação física. Mas, nesse dia, eu ganharia a São Silvestre! Meu marido e Fernando corriam atrás de mim, e gritavam para eu parar, mas eu só os ouvia dizerem para  correr mais. E eu corria. E eles não me alcançavam. Passei por minha casa feito uma bala. De longe, avistei um vulto parecido com Francis. Ou não era ela? Não sei mais. Corri mais. Os meus dois companheiros tinham ficado para trás. Foi quando alguém que vinha no sentido oposto esbarrou em mim e me fez parar. Então, os dois finalmente me alcançaram. Eu estava lá, esbaforida, suada, o coração quase saindo pela boca. E eles, rindo de mim, enquanto ofegavam (afinal, estavam em pior forma física do que eu!). Francis veio ao meu encontro e me ofereceu um copo dágua. Nas situações de estresse, nada como água gelada, para acalmar os nervos!

Foi quando alguém que já vinha voltando parou e nos explicou o que estava acontecendo. Era a Jariloca que estava pegando fogo!! Menos mal, pensei, pelo menos não é a mata toda. Durante a falta de energia, alguém havia deixado um liquidificador ligado na cozinha do restaurante. Ao retornar a energia, houve um curto-circuito e bastou uma pequena centelha para que a cozinha, que era toda de palha, começasse a incendiar. Como toda a Jariloca era feita de palha e madeira, bastaram alguns minutos para o fogo se tornar incontrolável. E as explosões eram simplesmente os botijões de gás. Ainda ouvimos mais quatro explosões. Mas, agora, já não me causou mais medo. Apenas fiquei admirando aqueles cogumelos de fogo e desejando estar com uma máquina fotográfica nas mãos, para registrar aquele momento. Graças a Deus, ninguém se feriu. Mas, da Jariloca, só restaram as cinzas. Depois de um tempo, ela foi reconstruída, dessa vez, como na história dos Três Porquinhos, uma casa de tijolos, mais bonita e segura. Mas eu já não estava em Monte Dourado, já havia me transferido para outra cidade...

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