sexta-feira, 24 de junho de 2011

Viagem de Escola


Outro dia  participei de uma reunião no colégio onde meu filho estuda, para os últimos esclarecimentos sobre uma viagem que eles vão realizar, no próximo fim de semana. Irão para Fortaleza, numa viagem chamada “aula passeio”. Tudo muito organizado, ônibus de luxo, hotel de ótima categoria, à beira-mar. Vários professores vão acompanhar, inclusive a diretora do colégio. Toda estrutura para que os alunos tenham o máximo de segurança possível. E eles, empolgadíssimos, há vários dias nem dormem direito, na expectativa da viagem. E existe coisa melhor do que viagem de colégio?
Enquanto ouvia a Coordenadora explicar os detalhes da viagem, meu pensamento voou longe. Lembrei de uma viagem que fiz, a minha primeira excursão do colégio, quando fazia a oitava serie. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos.
Na época, eu morava no interior do Maranhão, numa cidade chamada Bacabal, próximo de São Luís uns 250 km. Mas, naquele tempo, as coisas não eram tão fáceis como hoje, com os “paitrocinadores” bancando tudo. Nem era tão fácil encontrar agências de turismo organizando tudo, principalmente no interior. Então, resolvemos nós mesmos assumir a organização da viagem. Escolhemos uma comissão de alunos, sob a coordenação da professora de Inglês, Cleres, e batalhamos duro para conseguir dinheiro para a viagem. Fizemos rifas, bingos, alugamos bilheteria de cinema, promovemos festas, e fizemos o famoso “livro de ouro” (quem lembra dele? Saíamos no comércio com um livro, pedindo assinatura dos comerciantes, em troca de dinheiro).
Finalmente, depois de alguns meses, conseguimos um bom dinheirinho e chegou a hora de escolher o local da viagem. Resolvemos conhecer Parnaíba, no litoral do Piauí. A professora Cleres tinha uma amiga que morava lá e iria nos emprestar  uma casa de praia,  e isso já economizaria a hospedagem. O pai de um dos nossos colegas era o dono de uma empresa de ônibus, e nos concedeu um desconto especial. Compramos mantimentos para lanches e café da manhã, e o resto, cada um levou uma pequena reserva, para almoço e despesas extras.
Quando chegou o grande dia, a ansiedade era grande, pois seria a primeira vez que a maioria iria viajar sem os pais!  Iríamos passar três dias, mas, pela quantidade de  bagagens, parecia mesmo que seria um mês!  Saímos de manhã cedo, pois a viagem seria longa, quase 600 km, e chegaríamos a Parnaíba já quase no final do dia. Acompanhando essa turma de adolescentes, apenas a professora Cleres e Frei Antonio, nosso professor de Português.  No caminho, ainda faríamos uma breve parada no Parque Nacional de Sete Cidades, em Piripiri, um parque arqueológico, com muitas pedras e pinturas rupestres. Um lugar lindo e, se fosse hoje, com minha máquina digital, acredito que teria tirado, no mínimo, umas mil fotos. Mas, na época, tudo o que eu podia fazer era filar da maquina fotográfica de Sofia, com um filme em preto e branco, 36 poses para a viagem toda!


Depois dessa parada em Sete Cidades, seguimos direto para Parnaíba e chegamos ao entardecer. Paramos na casa da amiga da professora Cleres, e ela nos entregou a chave da casa, que ficava em uma praia a alguns quilômetros da cidade. Ela falou que mandara fazer uma faxina na casa, mas que provavelmente teríamos que limpar novamente, pois já fazia alguns dias e casa em beira de praia rapidinho se suja... Nós não nos preocupamos com isso, o que queríamos mesmo era chegar logo e aproveitar o máximo que pudéssemos


Já estava escurecendo quando pegamos a estrada, rumo à praia. O caminho não era distante, era asfaltado, mas cercado por dunas dos dois lados, e como nessa época do ano ventava muito, a estrada estava completamente coberta de areia. O ônibus seguia lentamente, cauteloso, enquanto o sol dava lugar à lua, que surgia soberana no céu... 

A estrada era deserta, não se via nada além de céu e areia, mas não deveria demorar muito e chegaríamos ao nosso destino. O toca-fitas do ônibus tocava uma versão recém gravada em português de “Diana”, e a turma toda cantava alto, descontraída, quando de repente o ônibus parou. Com tanta areia no caminho, o que era de se esperar aconteceu: o ônibus atolou! Descemos todos, para aliviar o peso, mas, quanto mais o motorista tentava, mais os pneus iam penetrando na areia. Unimos nossas forças para empurrar, mas, cada vez mais o ônibus atolava. E agora? Estávamos lá, mais de trinta adolescentes, dois professores e o motorista, perdidos no meio de um  deserto de areia. Não se via uma só casa, não passava ninguém, e telefone celular, naquela época, era palavrão!!

Diante da situação, não nos restava alternativa a não ser seguir a pé até o nosso destino. Fomos orientados a pegar só o necessário, e no dia seguinte o motorista buscaria ajuda para desencalhar o ônibus. Mas, o necessário era muita coisa, pois levávamos de comida a redes e lençóis, e iríamos precisar de tudo isso ainda naquela noite! Deixamos o ônibus e seguimos em direção à praia, andando com dificuldade, carregados de sacolas e malas,  os pés afundando na areia, mas mesmo assim, animados com a aventura. A lua cheia, nossa companheira,  iluminava o nosso caminho, nos orientando, feito a estrela de Belém, que orientou os três Reis Magos...

Finalmente, depois de uma caminhada de mais de quarenta minutos, já cansados e cheios de areia, avistamos o mar. Paramos um pouco, para descansar e apreciar aquela beleza paradisíaca. O mar, banhado pela lua, mais parecia um espelho, brilhando reluzente. Na areia, muitos coqueiros, daí o nome de “Praia de Coqueiros”. Era uma praia habitada quase exclusivamente por pescadores, por isso, havia muitas jangadas paradas à beira-mar. Muitas dunas, e entre elas, algumas lagoas formadas por água de chuva. Eu nunca havia visto uma paisagem tão linda na minha vida!!

Mas a nossa aventura estava apenas começando. Quando finalmente conseguimos encontrar  a casa, descobrimos que estava sem energia elétrica. Sem energia, também não tinha água potável, pois não conseguíamos ligar a bomba do poço e a caixa dágua também estava vazia. A casa, apesar de ter sido limpa há alguns dias atrás, já  estava suja novamente. Cansados e cheios de areia, tivemos que fazer uma nova faxina, à luz de velas, e com água conseguida numa lagoa próxima da casa. Depois de tudo, cada um escolheu um local para armar sua rede. Os meninos, mais corajosos, ficaram na varanda, e as meninas, nos quartos. Antes de dormir, ainda tomamos um banho na lagoa, numa água geladíssima!
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No dia seguinte, bem cedo, escovamos os dentes com água da lagoa, e uns pescadores que moravam nas proximidades nos arranjaram  água potável para o café da manhã. Enquanto para nós tudo era divertido, a Professora Cleres e Frei Antonio praticamente “arrancavam os cabelos” para tentar resolver a situação. Ninguém conseguia consertar a energia e consequentemente, nada de água na casa. A mulher de um pescador se ofereceu para fazer o almoço na casa dela, e preparou um peixe delicioso. Enquanto isso, nós aproveitávamos a praia.

Depois do almoço, o motorista chegou com o ônibus e com a noticia de que  a amiga de Cleres conseguira uma outra casa para nós, numa praia mais próxima da cidade e com mais conforto. Era uma praia mais movimentada, cheia de barzinhos e bem diferente da praia de Coqueiros. Ainda ficamos por mais três dias em Parnaíba, mas aquela aventura na praia de Coqueiros foi, sem dúvida nenhuma, uma das melhores que já vivi. E acho que foi ali que me apaixonei pela lua.