domingo, 30 de outubro de 2011

Que sufoco!!!

Todo mundo, quando sai da faculdade para enfrentar a vida profissional, sente aquele friozinho na barriga. É chegada a hora de assumir a responsabilidade, sem contar com a supervisão e orientação dos professores. Na medicina, essa responsabilidade é imensa, por se tratar de estar lidando com vidas. Tomar a decisão certa, na hora certa, para salvar uma vida!
Depois que concluí o curso de medicina, enquanto aguardava meu primeiro emprego, resolvi passar uns dias na minha cidade, no interior da Paraíba. Depois da agitação do último ano, recheado de plantões, além de participar da comissão de formatura, eu merecia um belo descanso.
Minha cidade fica no sertão da Paraíba, lá onde o vento faz a curva, distante da capital uns 410 km. Na época, contava com dois hospitais: uma maternidade e um hospital geral. Eu poderia muito bem ter ido trabalhar em um deles, ou mesmo nos dois, mas no momento, tudo o que eu queria era um bom período de descanso, sem me preocupar com nada.
Um dia, enquanto eu curtia aquela letargia pós prandial (para não dizer preguiça que nos atinge após uma refeição), fui surpreendida por um primo, Tarcisio, que entrou em minha casa feito um furacão. Vinha suado, nervoso, quase chorando... Queria que eu fosse com ele à maternidade, onde sua mulher estava internada desde a noite anterior, em trabalho de parto. Era sua primeira gravidez, e eles estavam ansiosos pela chegada do bebê.
- Ela está com muitas dores, desde ontem, e o bebê não nasce!
Perguntei-lhe pelo médico de plantão, mas ele falou que na maternidade estava apenas um estudante do quarto ano de medicina, pois o plantonista tivera que se ausentar para atender uma emergência na cidade vizinha, que ficava a uns 15 km dali. Isso mesmo, a típica história de cobrir um santo e deixar o outro descoberto!!
A preguiça sumiu de repente. Não pensei duas vezes e imediatamente o acompanhei até a maternidade. No caminho, a mente já fervilhava, pensando nas possibilidades do que poderia acontecer. Chegando lá, identifiquei-me como médica e pedi para falar com o responsável pelo plantão. A auxiliar de enfermagem confirmou que o plantonista tivera que se ausentar, e deixara um estudante no seu lugar. Se hoje a carência de profissionais no interior é grande, naquela época era maior ainda, e essa conduta era comum.
Pedi para ver a paciente e o seu prontuário, para me inteirar da situação. Na enfermaria de pré-parto, ela se contorcia de dor. Olhei as anotações, e vi que ela havia sido avaliada há mais de 3 horas e ao examiná-la, percebi que não havia evoluído em nada o trabalho de parto. Os batimentos cardíacos do feto já oscilavam e já havia eliminação de mecônio, sinal de sofrimento fetal. Não havia o que esperar. Ela precisava de uma cesariana, e logo, antes que o pior acontecesse ao bebê!
A decisão estava tomada, e eu comecei a suar frio! Isso tinha que acontecer justo comigo?!? Durante meus estágios, já havia realizado inúmeras cirurgias, porém, em todas, tinha do lado um preceptor, me dando segurança, e agora eu me via diante de uma situação em que a segurança estava em mim, e eu não estava nada segura!! E tinha que ser justamente com alguém da família?? O suporte que eu tinha era um estudante, que nunca realizara sequer um parto! E o anestesista? Eu precisava pensar rápido, pois o tempo era crucial naquele momento.
Lembrei que há alguns dias atrás encontrara com um amigo que também terminara medicina recentemente e estava passando férias na cidade, como eu. Consegui o telefone dele e liguei, torcendo para que ele estivesse em casa! Para meu alívio, ele mesmo atendeu o telefone, e depois que lhe expliquei a situação, ele imediatamente se prontificou em me ajudar. Porém, como eu, ele também não fazia anestesia...
Resolvemos apelar para o outro hospital, torcendo para que o plantonista também não tivesse abandonado o posto, e pudesse fazer a anestesia. Para nosso alívio, ele estava lá e era também anestesista!
Resolvemos então transferir a paciente para o outro hospital, e lá, com a equipe completa, fizemos a cesariana. O bebê nasceu cianótico, porém pouco depois começou a chorar forte, e eu respirei aliviada.
Logo em seguida, sentindo o peso da responsabilidade do que é ser médica, dava a noticia ao pai, que do lado de fora aguardava ansioso.
-É um menino...

E este é o "menino", hoje. Rodrigo, sinto-me um pouquinho sua "mãe"...


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Profissão: Médica.


Esses dias estive refletindo sobre a minha profissão. Desde criança, sempre que me faziam aquela clássica pergunta “o que você quer ser quando crescer?”, que não me vinha outra resposta a não ser: “vou ser médica”.  Na época, eu nem raciocinava direito em o que significava ser médica. Só sei que achava bonito aquela roupa branca (que hoje nem gosto de usar) e o respeito que ela impunha. Achava bonito quando via aqueles poucos doutores da cidade, com os consultórios lotados na sala de espera, tentando aliviar a dor e o sofrimento das pessoas. E quando as pessoas não podiam ir até o consultório, eles iam até as suas casas, e com poucos recursos disponíveis, davam o melhor de si para tentar salvar vidas.  O médico que cuidava das crianças era o mesmo que cuidava da mãe, do pai, do avô e da avó.
Eu nem raciocinava sobre o que significava tudo isso. O quanto de sacrifícios  essa profissão iria exigir de mim, e a responsabilidade que pesa sobre nós médicos.  Fui crescendo com esse pensamento, e nunca me vi em dúvidas sobre que profissão escolher. Talvez, se na época eu tivesse tido acesso a algum teste vocacional,  ficasse em dúvida entre algo que envolvesse fotografia, tipo Jornalismo Fotográfico,  já que tenho paixão por fotografias. Ou quem sabe, Letras, pois sempre fui boa aluna de Português e sempre gostei de escrever, tirava boas notas em redação. Mas não sei se seria uma boa professora.  Portanto, olho pra trás e não me vejo em outra profissão.
O tempo foi passando e eu continuei perseguindo meu sonho. Os sacrifícios começaram desde cedo, mesmo antes de me formar. Todo mundo sabe que Medicina sempre foi um dos cursos mais concorridos no vestibular. Por isso, quem faz essa escolha, tem que ter uma dedicação redobrada, para poder ousar concorrer. Noites de sono perdidas (ou ganhas) sobre os livros, festas renunciadas, fins de semana enfurnada dentro de casa... E no final, a alegria de passar no vestibular!!  E aí, vem a faculdade. Mais sacrifícios. Horário integral de estudos, quem faz medicina raramente dispõe de tempo para se dedicar a outras atividades. Nas horas vagas, estágios e mais estágios, acompanhando os professores em plantões ou cirurgias, tudo para melhorar nossa qualificação. E os livros? Caríssimos, sem contar que na minha época ainda não existia internet, com essa imensa biblioteca virtual. Tudo o que dispúnhamos era a biblioteca da Universidade, muitos livros desatualizados e grande parte deles em espanhol. Então, mais sacrifício para comprar livros!!
Durante a faculdade, fui vendo aquela imagem que eu tinha do médico do interior sair um pouco do foco. Não éramos treinados para ver o doente como uma pessoa, mas sim, pedaços dele. O estômago doente, o coração, o joelho. Éramos incentivados, desde cedo, a pensar logo numa especialidade a seguir: quem vai fazer ginecologia? Quem vai ser cardiologista? Ou ortopedista? Quem quer ser pediatra? Cada um pensava na especialidade a seguir e procurava logo um professor da área escolhida para acompanhar. Ninguém era incentivado a ser generalista ou a ir trabalhar no interior. Saúde Pública? O que é isto?? Apenas uma passagem rápida por Epidemiologia, e olhe lá! E eu, mesmo assim, sempre pensei em iniciar minha vida profissional no interior, inspirada naqueles médicos que eu lembrava da minha infância. Portanto, durante toda a minha vida de estudante, procurei acompanhar as mais variadas áreas. Dei plantões em clinica geral, no Pronto – Socorro, obstetrícia,  participava de cirurgias... e pediatria! Ah, a pediatria... essa era o meu trauma! Aquelas pequenas criaturinhas me causavam medo, pela fragilidade, por não saberem se expressar com palavras. Mas eu queria trabalhar no interior, portanto, teria que enfrentar esse medo, pois fatalmente, iria me deparar com situações em que teria que atender crianças. E resolvi então passar os 6 últimos meses do meu curso no Hospital de Pediatria, onde aprendi, no mínimo a respeitar aqueles pequeninos! Confesso que isso me ajudou bastante.
Finalmente, a formatura! Felicidade misturada com o peso da responsabilidade. Afinal, a partir de então, não teremos mais um professor para nos respaldar e nos orientar nas nossas decisões, a todo momento. A vida está em nossas mãos, e essa profissão não admite erros. Não hesitei quando  consegui uma vaga para trabalhar no interior do Pará, na Fundação SESP, hoje Fundação Nacional de Saúde. Muitos me chamaram de louca, mas lá fui eu, com  a cara e a coragem, e com a mala recheada de livros, como se eles fossem me dar a segurança que os professores me davam nos estágios. Logo descobri que em medicina, nem sempre os casos são como descrevem os livros. Que não teria a minha disposição todo aquele suporte laboratorial e que muitas vezes teria que usar minha intuição para direcionar minhas condutas. A malária que eu via lá, não era aquela descrita pelos livros. A malária que EU tive não estava também descrita nos livros!! Acho que os cinco anos que passei por lá foram mais valiosos do que qualquer residência médica. Durante esse tempo, tive oportunidade de viver experiências incríveis. Muitas vezes, me vi em situações em que minha vontade era dizer: “chame o médico”!! Mas a médica era eu... muitas vezes, a única,  num raio de centenas de quilômetros. E posso dizer que salvei muitas vidas. Outras, não consegui salvar. Não somos Deus. E tive que fazer o que é mais doloroso para nós, médicos: assinar atestado de óbito.
Depois, ao voltar para o Nordeste, ainda tive oportunidade de viver muitas experiências em cidades do interior. Posso dizer que dei minha contribuição, e que se todo mundo fizesse o mesmo, ao sair da faculdade, talvez a população não sofresse tanto com a má distribuição de médicos. E que se os gestores também dessem a sua contribuição, pagando salários justos e dando condições dignas de trabalho, talvez os médicos se interessassem mais em trabalhar no interior.
E durante essa minha trajetória, vi surgir o SUS. Lindo, no papel, engatinhando, a princípio, mas que vem se fortalecendo ao longo desses 20 anos. E vi surgir a Estratégia Saúde da Família. E digo, com convicção, que foi amor à primeira vista! Trabalhar em equipe, criar vínculos com as famílias, entrar nas casas das pessoas, conhecer os seus problemas, faz toda a diferença! Cuidar da gestante, do bebê, da mãe, do pai, do avô e da avó... isso me lembra um pouco daquele médico do interior, que eu via na minha infância, e que, de certa forma, me inspirou na escolha da minha profissão.

domingo, 9 de outubro de 2011

Praticando o desapego - Parte III (Final)

(Antes de ler, aconselho a leitura das partes I e II de "Praticando o Desapego")


Não sei se com as outras pessoas acontece o mesmo, mas sempre que eu me desfaço de algo que estava guardado, sem uso, achando que não vou mais precisar daquilo, poucos dias depois, acontece algo e eu me lembro do que me desfiz e penso: “não deveria ter jogado fora”...
Com o vestido foi mais ou menos assim. Só que eu não havia ainda jogado fora. Apenas tinha tirado do armário, colocado em um cantinho longe dos meus olhos, decidida a não ter mais expectativas com relação a esperar outra ocasião de usá-lo. E logo depois de fazer isso, me aparece uma nova oportunidade!
Fiquei eufórica, feliz por não ter me desfeito ainda daquela preciosidade. Finalmente eu teria uma nova chance! E certamente, como da outra vez, eu deveria me sentir muito bem com ele. Nem pensei em procurar outra roupa. Até tenho outras opções, mas o que eu queria mesmo era usar aquele vestido. Corri para o local onde o  havia guardado, lá no fundo do baú, e depois de alguns minutos de procura, encontrei o que queria. Na hora, tão ansiosa que estava por usá-lo novamente, nem valorizei o fato de não estar no mesmo lugar onde eu havia guardado. Não me importei muito com isso, achando que talvez, eu mesma tivesse confundido e guardado em um lugar diferente do que eu lembrava.
Com cuidado, retirei o vestido do saco onde havia guardado. Acariciei o tecido macio, sentindo a felicidade de poder novamente ter a oportunidade de vesti-lo. Resolvi experimentá-lo novamente, afinal, depois de tanto tempo, talvez fosse preciso fazer alguns ajustes...
Vesti o vestido, e num impulso, corri para frente do espelho. Observei novamente minha imagem refletida, e vi que ele realmente ficava bem em mim. Como eu me sentia bem com ele!! Mas, após alguns minutos de observação  algo começou a me incomodar. Não sabia bem o que, mas algo não estava certo. Comecei a sentir algo estranho, e um cheiro desconhecido começou a penetrar nas minhas narinas. Eu não reconhecia esse cheiro. Não era meu. Procurei ao meu redor, tentando encontrar algo que justificasse o que estava sentindo, mas não identifiquei nada diferente. Parei um pouco e novamente analisei minha imagem no espelho. O vestido, apesar de a princípio parecer igual, tinha algo de diferente. As cores não pareciam as mesmas. Parecia um pouco desbotado. Poderia ter sido pelo tempo que ficou guardado.  Mas não era só isso. Aquele cheiro continuava incomodando minhas narinas. E percebi que o cheiro vinha dele, do vestido. Sim, era um cheiro diferente, não era meu, era de outra pessoa!!! Então entendi. Alguém pegara meu vestido e usara, sem a minha permissão. E deixara sua marca nele. Uma marca tão forte, que agora me incomodava muito. E, observando melhor, identifiquei outras marcas, que provavelmente não eram da mesma pessoa. Ou seja, enquanto eu esperava a oportunidade certa para usá-lo, varias pessoas o haviam usado, provavelmente sem o mesmo zelo que eu teria com ele. E deixaram marcas que dificilmente eu iria conseguir apagar. Tiraram dele toda aquela magia, aquele encantamento. Já não parecia ser o mesmo vestido. E não existe nada mais constrangedor do que você usar uma roupa, achando que é um modelo único e de repente descobrir que ela foi usada recentemente por outra pessoa. Ou chegar em uma festa e descobrir que alguém copiou o seu modelito “exclusivo”. Acho que muita gente já passou por esse constrangimento.
Nesse caso, pensei, melhor mesmo me desfazer dele. Entregá-lo de vez para o bazar, ou mesmo para uma loja de aluguel de roupas. De lembrança, vou guardar a foto que tirei quando o usei pela primeira vez. E um dia, quem sabe, ao passar por uma vitrine, algo me chame atenção e eu compre um novo vestido. Quem sabe...

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

De carona num ultraleve!

Às vezes a gente faz certas coisas que depois fica imaginando como conseguiu fazer aquilo. Age no impulso, e quando vê, está no meio da fogueira.  Arrisca-se, e depois fica à mercê da sorte. Ainda bem que eu tenho sorte....
Esse caso aconteceu no inicio dos anos 90. Enquanto o nosso presidente, Fernando Collor, confiscava o dinheiro dos brasileiros, eu, que não tinha dinheiro na poupança (graças a Deus), estava de férias, numa praia belíssima do Rio Grande do Norte. Na época, fazia pouco tempo que havia sido transferida do Pará para Assu, e nas férias, resolvemos alugar uma casa na praia de Tibau, que fica bem na divisa entre o Rio Grande do Norte e Ceará. A praia é linda, tranquila, cheia de coqueirais e também muitas falésias com areias coloridas.
Naquela manhã, eu e minha cunhada, Vera, estávamos  nos estatelando ao sol das nove horas, curtindo a tranquilidade da praia quase deserta, quando vimos passar um ultraleve. Passou baixinho, como se estivesse procurando lugar para pousar, mas seguiu em frente. Ficamos comentando, como deveria ser lindo observar a praia do alto...  Alguns minutos depois, novamente o ultraleve sobrevoa nossas cabeças, em baixa altitude. Falei com Vera, “se ele voltar novamente, vou pedir carona”!  E não é que ele voltou?? Levantamo-nos, as duas, e começamos a acenar para o piloto, fazendo sinal de quem pede carona. É claro que achávamos que ele não iria descer... Mas, para nossa surpresa, ele foi perdendo cada vez mais altitude, até pousar na areia, mais adiante. E ficou lá, esperando por nós. Olhei para Vera. E agora??
Resolvemos ir até lá e conversar com o piloto. Meio sem graça, perguntei se ele fazia passeios de aluguel. Ele respondeu que não, que tinha o ultraleve apenas para diversão pessoal. Fiz uma cara de decepcionada e falei:
- Ah, que pena... é que estou com uma filmadora ali, e gostaria muito de filmar a praia do alto...
Ele então, para minha surpresa, falou:
-Vamos lá, eu te dou uma carona e você filma a praia. Mas vai ser um passeio rápido!
Olhei para Vera, sem saber o que responder, mas ela simplesmente me estimulou: “Vai lá, corre e pega a filmadora”!
Eu não raciocinei. Saí correndo em disparada, em direção a casa, antes que ele se arrependesse (ou eu). Na entrada, esbarrei em meu marido e meu sogro, que, espantados, perguntaram o que estava acontecendo. Eu entrei feito um furacão, peguei a filmadora e saí correndo, enquanto soltei esbaforida “Vou voar de ultraleve”! E continuei minha corrida, com a filmadora na mão. De longe, ainda escutei meu marido perguntar: “Como assim, voar de ultraleve??” Mas eu nem respondi, continuei correndo, sentindo que ele e o pai já vinham também correndo atrás de mim.
Cheguei rapidinho ao lugar onde  Vera conversava com o piloto, apenas aguardando por mim. Não pensei muito e já sentei na cadeira do lado, enquanto ele me ajudava a atar o cinto de segurança e me dava as instruções sobre o passeio. Eu nunca tinha voado de ultraleve. Nessa época, em Natal era moda os passeios com turistas, mas eu nunca havia tido coragem de me arriscar.  De vez em quando a gente ouvia falar de um ultraleve que havia caído na praia.
Quando meu marido e meu sogro chegaram, eu já estava a bordo do ultraleve e ele já iniciava a decolagem. Apenas acenei para eles, dando tchau, enquanto eles olhavam o pequeno  “avião” decolar (não sei se um ultraleve pode ser considerado um avião...)
Ganhamos altura, mas não muito. Ele me falou que iria voar baixinho, pra poder eu filmar melhor. Comecei a observar a praia do alto, cada vez mais extasiada com a beleza do lugar. Uma sensação de liberdade se apossou de mim, como se as asas do ultraleve fossem as “minhas asas”, e eu nem tive medo  de cair!! Observar o mar, a areia branquinha lá em baixo, os coqueiros, que vistos de cima, mais pareciam um tapete verde, entrecortados por morros de areia colorida... Tudo aquilo era lindo demais!!
O piloto seguia calado, de vez em quando mostrando alguns lugares que ele achava interessante para eu filmar. O vôo começou a ficar mais demorado e de repente eu me toquei: eu estava voando, numa praia deserta, ao lado de um desconhecido, que eu nem mesmo sabia o nome!! Comecei a ficar com medo da situação. A adrenalina começou a ser liberada mais intensamente, meu coração acelerou, e eu nem conseguia mais ver direito a beleza do lugar. E se ele não fosse do bem? E se resolvesse parar num lugar deserto e.... Ai, meu Deus, nem quero pensar!!! Será que eu vou ter pernas suficientes para correr?!?! Eu já nem conseguia respirar direito. O vôo seguia em frente e ele nem demonstrava intenção de voltar. E eu pensava: “ele não falou que seria um passeio rápido?”
Já estávamos quase chegando a Canoa Quebrada, praia do Ceará, que fica próximo de Tibau. E eu toda tensa, nem conseguia mais apreciar a beleza da paisagem. De repente, o ultraleve começou a descer num lugar completamente deserto!! Não sei a quanto foi minha freqüência cardíaca. Pensei: “é agora!”  A muito custo, tive coragem de perguntar: “o que houve? Algum problema?” E ele: “nenhum problema, vou só descer um pouquinho...”
O pouso foi tranquilo. A praia, completamente deserta, não tinha sequer uma barraquinha vendendo água de coco. E eu, tensa, nem conseguia olhar de lado. O suor escorria pelo meu rosto, mas eu acho que não era pelo calor. Acho que o piloto percebeu minha tensão, e no mínimo, estava se divertindo muito com aquilo.
Quando o ultraleve parou completamente, e eu nem sabia mais se meu coração estava batendo, ou mesmo se eu estava respirando, ele falou: “Desci apenas pra conversar um pouco. Lá em cima, não dá pra falar, o barulho não deixa”. Aí, se apresentou. Falou o seu nome (que infelizmente não lembro), que era professor da Universidade em Mossoró, e morava lá, gostava de voar e tinha o ultraleve como diversão nos fins de semana.  Falou mais alguma coisa sobre ele e eu também me apresentei, falei quem eu era, o que fazia, que adorava fotografia e que por isso era capaz de me arriscar... Depois de alguns minutos, já éramos “velhos amigos”. Ele me deu um cartão, com seu nome e endereço, telefone, e eu prometi que faria uma cópia da fita e enviaria para ele.
O vôo de volta foi tranquilo e mais rápido. Quando chegamos, meu marido, meu sogro e minha cunhada continuavam no mesmo lugar, de plantão, esperando por mim.
Agradeci ao piloto-professor pelo passeio, e mais uma vez me comprometi em enviar-lhe a cópia da fita. Mas não cumpri a promessa. Perdi o cartão que ele me deu, e fiquei sem ter como encontrá-lo. Apesar de que, se na época eu tivesse procurado na Universidade, em Mossoró, um professor que tinha um ultraleve, seria fácil localizar. Mas o tempo foi passando, e eu deixei pra lá. A fita, com o tempo, mofou, e eu nem sei se dá pra recuperar. De lembrança, tenho essa foto, que minha cunhada tirou, quando me preparava para decolar. Se alguém por acaso reconhecer o professor-piloto, e puder me ajudar a localizá-lo, seria bom. Gostaria de poder agradecer a ele novamente pelo passeio, e pedir-lhe desculpas por não ter cumprido a minha promessa, mesmo depois de ele ter sido tão gentil comigo...

domingo, 4 de setembro de 2011

História de Assombração(zinha)


Todo mundo ja ouviu falar em histórias de almas penadas que assombram os hospitais. E existem pessoas que se deliciam inventando histórias, que quando passam de boca em boca, terminam se transformando em verdadeiros roteiros de filmes de suspense, com fantasmas arrastando correntes pelos corredores. Pessoas sugestionáveis costumam acreditar em tudo, morrem de medo de ficar sozinhas e um simples barulho vindo de qualquer lugar, no silêncio da madrugada, vira algo pavoroso. Sempre fui muito cautelosa em acreditar em tudo, acho que existe mesmo é muito exagero, criado muitas vezes pelo medo das pessoas. Eu mesma já passei por uma dessas.
Eu era estudante de medicina e dava plantões na Maternidade Cândida Vargas, em João Pessoa, na época, chamada também “Maternidade do INAMPS”. Era a maternidade de referência no Estado, onde aconteciam  dos partos mais simples aos mais complicados, e quem quisesse aprender obstetrícia tinha que quase obrigatoriamente passar por lá. O corpo clinico dos plantões se constituía dos médicos “staffs”, os residentes, os internos (estudantes do último ano de medicina), e por último, os acadêmicos a partir do quarto ano. Era muita gente, concordo, mas todo mundo tinha oportunidade de fazer alguma coisa, pois como já falei, o movimento era muito grande. Posso dizer que o período que passei por lá foi fundamental para que eu adquirisse muito dos conhecimentos necessários para iniciar minha vida profissional. Ainda me lembro do primeiro parto que fiz, quando tomei um verdadeiro banho de líquido amniótico!! (Isso é considerado um verdadeiro “batismo” para quem quer fazer obstetrícia).
Os plantões eram de 24 horas, cansativos, mas terminavam sendo divertidos. Nos poucos momentos de folga, aproveitávamos para ouvir as histórias das funcionárias antigas da maternidade, que tinham o maior prazer em nos contar casos de almas que apareciam nos corredores, principalmente depois de meia noite. E eu, apesar de não acreditar em tudo, não gostava muito de andar sozinha pelos corredores de madrugada. Durante o dia, e até meia noite, todo mundo trabalhava junto, e depois, o plantão era dividido em dois horários. Uma turma ia descansar até as 3:30h, quando assumia o lugar dos que tinham ficado direto. Eu não gostava de ir descansar no primeiro horário, pois geralmente, devido ao cansaço, demorava para adormecer e quando isso acontecia já era hora de levantar.
Naquela noite, o plantão estava calmo, depois de um dia agitado. Poucos estudantes haviam comparecido e  tivemos que escolher, através de sorteio, quem iria dormir no primeiro horário. Eu e Rosângela fomos as premiadas.
Depois da ceia das 23 horas, resolvemos nos recolher, já que estava tudo calmo. A maternidade é enorme e a noite, todo o movimento se concentrava no andar superior, onde ficavam as enfermarias, salas de pré parto,  salas de parto e centro cirúrgico. Não sei se hoje ainda é assim. No andar térreo, ficavam a sala de admissão das pacientes, ambulatório,  a parte administrativa, algumas salas de aula, e no final do corredor, os dormitórios dos médicos e dos estudantes. Durante o dia, tudo era muito movimentado, mas a noite, aquilo virava um verdadeiro deserto, pois a única coisa que funcionava era a sala de admissão, e só descíamos quando chegava alguma paciente.
Eu e Rosangela caminhávamos temerosas pelos corredores desertos, depois de ouvirmos mais uma daquelas histórias de fantasmas, contadas por uma funcionaria, na hora da ceia. O silêncio e a penumbra dos corredores  dava um ar meio fantasmagórico ao ambiente. Mas estávamos em dupla, e uma dava segurança à outra...
Entramos no quarto deserto, e nos preparamos para tentar dormir um pouco. O quarto era enorme, cheio de camas, distribuídas paralelamente, todas vazias, pois o resto do pessoal havia ficado trabalhando. Escolhemos nossas camas, próximas uma da outra e depois daquele ritual que todo mundo faz antes de dormir, resolvemos nos deitar e aproveitar o máximo daquele pouco tempo que tínhamos para descansar. Ainda conversamos durante alguns minutos, até que nos demos boa noite e fechamos nossos  olhos...
Eu ainda não havia conseguido dormir, quando de repente, alguém acendeu a luz do quarto. A principio, imaginei que fosse uma das nossas colegas, que viera nos chamar para ajudar em alguma cirurgia. Continuei com os olhos fechados, esperando que alguém falasse, porém, o quarto continuou no maior silencio... Na cama ao lado, Rosangela também pensava a mesma coisa. Quinze, trinta segundos, um minuto, e nada!!! Comecei a estranhar aquele silêncio e a luz continuava acesa. Abri os olhos, e não vi ninguém dentro do quarto. O coração começou a acelerar e olhei para a cama ao lado, onde Rosangela parecia dormir. Na mesma hora, ela, que também estava até aquele momento esperando a mesma coisa que eu, levantou a cabeça e olhou para mim, sem falar nada, mas indagando com os olhos: “Quem acendeu a luz?”
Sem falar nada, e quase ao mesmo tempo, nos levantamos e saímos em disparada, correndo pelos corredores da maternidade, que pareciam não ter fim!! Não sei quem correu primeiro, mas acho que foi ela, porque corria na minha frente, e eu, sem conseguir alcançá-la, tinha a sensação nítida de que alguém corria atrás de mim. Conseguia até mesmo sentir a sua respiração!!  
Não sei quantos segundos demoramos para chegar lá em cima, nem lembro como subimos as escadas. E quando, ofegantes, conseguimos contar à turma o que havia acontecido, todo mundo caiu na risada e uma das nossas colegas falou: “Não quero decepcionar vocês, mas a alma que vocês viram é a lâmpada fluorescente que está com defeito”...
Lâmpada com defeito ou alma do outro mundo, o certo é que naquela noite, eu e Rosângela não voltamos mais para o quarto e trabalhamos direto, até as 7h da manhã!