segunda-feira, 9 de maio de 2011

A viagem quase perfeita

Quem nunca ouviu falar na Zona Franca de Manaus?  Na década de 80, legal mesmo era ir até lá e encher a mala de eletrônicos, já que no comércio normal os preços eram altíssimos! Muita gente viajava para lá exclusivamente pra fazer compras.
Quando morávamos em Monte Dourado, no Pará, eu e meu marido (hoje ex), aproveitamos um feriado de Páscoa para fazer essa tão sonhada viagem. Iríamos ter acesso a todas aquelas maravilhosas novidades que não paravam de surgir!
Na quarta-feira embarcamos num avião da TABA (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica), com destino a Santarém. Na região, a TABA era “carinhosamente” chamada de “Transportes Aéreos Bastante Arriscados”, pois era freqüente acontecerem algumas panes durante os vôos. Mas a viagem foi tranquila, e chegamos a Santarém, onde fizemos uma conexão com a VASP, para chegar até Manaus.
Os dias que passamos em Manaus foram maravilhosos. A quinta-feira foi toda dedicada ao comércio. Quantas novidades!! Aproveitamos para comprar tudo o que podíamos, dentro das nossas possibilidades econômicas. Entre as muitas bugingangas, compramos o nosso primeiro vídeo-cassete e a novidade: uma filmadora Panasonic M5, e um monte de fitas VHS!! Eu, que sempre fui apaixonada por tudo que se relacione com imagem, estava radiante!! Nem me incomodava de carregar aquele trambolhão por todos os lugares, o que eu não queria era deixar de filmar nada. Na sexta-feira, feriado, com o comércio fechado, aproveitamos para fazer um passeio de barco pelo rio Negro, com direito a paradinha para fotos com macacos e jibóias. Tudo aquilo me encantava!


No sábado, mais uma passadinha pelo comércio, para as últimas compras, e no domingo fomos encontrar minha amiga Neuly, enfermeira que trabalhou comigo em Oriximiná e que agora morava em Manaus. Foi ela que me ajudou no casamento de Raimunda, contado em outra história.
Depois do almoço, hora de voltar pra casa!  Fomos para o Hotel, e com muita dificuldade, conseguimos fechar as malas, abarrotadas com as compras. Tivemos o cuidado de guardar todas as notas fiscais, pois talvez precisasse apresentar na alfândega. Já no aeroporto, comecei a ter um pressentimento de que algo iria dar errado.  Na fila para o embarque, cada passageiro apertava um botão, e se a luz vermelha acendesse, era preciso abrir a mala e eles conferiam tudo, para ver se havia excesso no limite de compras. Nós não havíamos ultrapassado o limite, mas a mala estava tão abarrotada, que se tivesse que abrir, não sei se conseguiríamos fechar novamente, pois eles faziam uma verdadeira bagunça! Falei para meu marido que iria acender a luz vermelha, quando eu passasse. Ele me chamou de pessimista. Quando ele, que ia na minha frente, apertou o botão, a luz verde acendeu e respiramos aliviados. Mas, na minha vez, como eu previra, acendeu a luz vermelha, e eu gelei! Quem iria arrumar a mala novamente, no meio daquela confusão toda de aeroporto?  Felizmente, quando descobriram que estávamos juntos e que era uma bagagem só, resolveram considerar a luz verde, pois ele havia apertado primeiro. Depois daquele “mini sufoco”, embarcamos no avião da VASP, com destino a Santarém, onde pernoitaríamos, e no dia seguinte retornaríamos de TABA para Monte Dourado. O sol já estava se pondo e já seria noite quando chegássemos a Santarém. Eu continuava com aquele pressentimento de que algo errado iria acontecer.

Já estávamos bem próximo de Santarém e era noite, quando o comandante anunciou que o avião não pousaria lá. Naquela tarde, caíra um temporal sobre a cidade e um raio havia queimado o sistema de iluminação da pista do aeroporto e não havia condições de pouso. O avião passaria direto para Belém, onde pernoitaríamos e no dia seguinte cedo retornaria a Santarém. Como o nosso retorno a Monte Dourado estava marcado para bem cedo,  teríamos que pegar o vôo da tarde, e isso nos faria perder um dia de trabalho. Então pensei, se o pressentimento que eu tivera fosse isso, menos mal.

No dia seguinte, depois de passarmos a noite em Belém, retornamos a Santarém, e ainda deu tempo de visitarmos alguns amigos que tínhamos lá. No inicio da tarde, finalmente embarcamos num avião da TABA, com destino a Monte Dourado. Não sei dizer que tipo de avião era aquele, mas, para mim, era quase um “teco-teco”! Acho que tinha capacidade para,  no máximo,  uns 25 passageiros. Poltronas apertadas, e não havia divisória entre a cabine do comandante e os passageiros, por isso, nós, que sentamos nos bancos da frente, iniciamos logo uma conversa com o comandante e o co-piloto, e eles iam nos contando as aventuras que já tinham vivido na Amazônia, a bordo dos Transportes Aéreos Bastante Arriscados. Aqueles casos em que tiveram que pousar o avião “de barriga”, porque o trem de pouso não descera, ou quando um dos motores do avião parou de funcionar! Casos como esse tinham muitos, e eu escutava, enquanto admirava a paisagem lá embaixo. A tarde estava linda e a selva mais parecia um tapete verde, entrecortada por inúmeros rios, que serpenteavam por entre a mata. Eu, com minha filmadora nova na mão, não deixava escapar nada!!

O avião fez uma escala em Monte Alegre, e o comandante convidou a todos para descerem para um cafezinho!! Acho que demorou uma meia hora, para que decolássemos novamente, agora com destino a Monte Dourado. Começava uma chuva e já estava entardecendo, mas o vôo não seria tão demorado. Eu olhava para baixo e já não enxergava aquele tapete verde, apenas o cinza das nuvens, que pareciam cada vez mais pesadas, mas eu não percebia preocupação por parte dos pilotos. Não me preocupei e continuei com minha filmadora na mão, vez por outra filmando algo, mas a paisagem lá embaixo continuava a mesma. Quando já estávamos próximos de chegar em Monte Dourado, o tempo continuava feio e percebi que os pilotos já não estavam mais tão descontraídos, e não conversavam mais com os passageiros. Falavam em códigos entre si, e eu tentava entender o que eles diziam. Entre outras coisas, entendi que eles haviam perdido o contato com o aeroporto de Monte Dourado, mas, como era dia ainda, iriam pousar usando apenas a visibilidade. Então pensei, que visibilidade?? Ninguém enxergava nada lá embaixo, apenas aquelas nuvens escuras!
Finalmente começamos a avistar a cidade lá embaixo, e por incrível que pareça, não havia nuvens sobre ela. Mas, o aeroporto ficava bem fora da cidade, num planalto, e sobre ele estavam as nuvens, muitas nuvens!!  Voltamos a sobrevoar a cidade e eu olhava para baixo, tentando identificar as casas, as ruas. Vi o Hospital onde trabalhávamos, o supermercado, o Banco, a pracinha, o Beiradão, o rio Jarí...  De volta ao aeroporto, mais nuvens... O comandante tentou uma descida, mas o alarme disparou, avisando que havia obstáculos lá embaixo, e ele ganhou novamente altitude. Desliguei a filmadora e cruzei os dedos. Já tinha rezado umas trezentas Ave-Marias, outros tantos Pai-Nossos! Ninguém falava nada. Mais uma volta sobre a cidade e dessa vez eu vi minha rua. Mais uma vez, o rio Jarí, e dessa vez, eu quase identifiquei as pessoas a bordo dos barcos que atravessavam de um lado para outro do rio. Novamente o aeroporto, e mais uma vez, nuvens pesadas e o som do alarme disparando. A expectativa dentro do avião era grande e já questionávamos por que eles não desistiam e seguiam rumo ao próximo aeroporto, o de Macapá! Ninguém se arriscava a perguntar nada.  Mais uma volta por sobre a cidade... e lá vem o rio Jarí, com suas  “voadeiras” atravessando de um lado para o outro. (Voadeiras era como chamavam os pequenos barcos a motor, que serviam de “taxi”, para as pessoas atravessarem o rio, entre Monte Dourado e o Beiradão).
Depois da quinta ou sexta volta (na verdade, eu perdi as contas), percebi que o comandante falava com alguém pelo rádio. Era um piloto de um avião do Projeto Jarí, que estava em solo no aeroporto e tentava orientar o pouso. Ele informou que a cidade estava sem energia, por isso não conseguiam se comunicar com a torre de controle, e ele estava falando pelo rádio do avião.  Mais uma tentativa de pouso, todo mundo de dedos cruzados, e finalmente pousamos, a salvo,  no aeroporto de Monte Dourado. Respirei aliviada e enquanto descia, perguntei ao comandante por que ele não havia desistido e seguido para Macapá. E ele, com um sorriso, respondeu: “O combustível estava no fim, e na próxima volta, eu iria pousar no rio Jarí”...

2 comentários:

  1. Não tenho medo de morrer e nem de voar. Mas não entro num teco-teco desses nem por milagre!!!! rsrsrs

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  2. O problema não foi nem o tamanho do avião...

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