segunda-feira, 26 de setembro de 2011

De carona num ultraleve!

Às vezes a gente faz certas coisas que depois fica imaginando como conseguiu fazer aquilo. Age no impulso, e quando vê, está no meio da fogueira.  Arrisca-se, e depois fica à mercê da sorte. Ainda bem que eu tenho sorte....
Esse caso aconteceu no inicio dos anos 90. Enquanto o nosso presidente, Fernando Collor, confiscava o dinheiro dos brasileiros, eu, que não tinha dinheiro na poupança (graças a Deus), estava de férias, numa praia belíssima do Rio Grande do Norte. Na época, fazia pouco tempo que havia sido transferida do Pará para Assu, e nas férias, resolvemos alugar uma casa na praia de Tibau, que fica bem na divisa entre o Rio Grande do Norte e Ceará. A praia é linda, tranquila, cheia de coqueirais e também muitas falésias com areias coloridas.
Naquela manhã, eu e minha cunhada, Vera, estávamos  nos estatelando ao sol das nove horas, curtindo a tranquilidade da praia quase deserta, quando vimos passar um ultraleve. Passou baixinho, como se estivesse procurando lugar para pousar, mas seguiu em frente. Ficamos comentando, como deveria ser lindo observar a praia do alto...  Alguns minutos depois, novamente o ultraleve sobrevoa nossas cabeças, em baixa altitude. Falei com Vera, “se ele voltar novamente, vou pedir carona”!  E não é que ele voltou?? Levantamo-nos, as duas, e começamos a acenar para o piloto, fazendo sinal de quem pede carona. É claro que achávamos que ele não iria descer... Mas, para nossa surpresa, ele foi perdendo cada vez mais altitude, até pousar na areia, mais adiante. E ficou lá, esperando por nós. Olhei para Vera. E agora??
Resolvemos ir até lá e conversar com o piloto. Meio sem graça, perguntei se ele fazia passeios de aluguel. Ele respondeu que não, que tinha o ultraleve apenas para diversão pessoal. Fiz uma cara de decepcionada e falei:
- Ah, que pena... é que estou com uma filmadora ali, e gostaria muito de filmar a praia do alto...
Ele então, para minha surpresa, falou:
-Vamos lá, eu te dou uma carona e você filma a praia. Mas vai ser um passeio rápido!
Olhei para Vera, sem saber o que responder, mas ela simplesmente me estimulou: “Vai lá, corre e pega a filmadora”!
Eu não raciocinei. Saí correndo em disparada, em direção a casa, antes que ele se arrependesse (ou eu). Na entrada, esbarrei em meu marido e meu sogro, que, espantados, perguntaram o que estava acontecendo. Eu entrei feito um furacão, peguei a filmadora e saí correndo, enquanto soltei esbaforida “Vou voar de ultraleve”! E continuei minha corrida, com a filmadora na mão. De longe, ainda escutei meu marido perguntar: “Como assim, voar de ultraleve??” Mas eu nem respondi, continuei correndo, sentindo que ele e o pai já vinham também correndo atrás de mim.
Cheguei rapidinho ao lugar onde  Vera conversava com o piloto, apenas aguardando por mim. Não pensei muito e já sentei na cadeira do lado, enquanto ele me ajudava a atar o cinto de segurança e me dava as instruções sobre o passeio. Eu nunca tinha voado de ultraleve. Nessa época, em Natal era moda os passeios com turistas, mas eu nunca havia tido coragem de me arriscar.  De vez em quando a gente ouvia falar de um ultraleve que havia caído na praia.
Quando meu marido e meu sogro chegaram, eu já estava a bordo do ultraleve e ele já iniciava a decolagem. Apenas acenei para eles, dando tchau, enquanto eles olhavam o pequeno  “avião” decolar (não sei se um ultraleve pode ser considerado um avião...)
Ganhamos altura, mas não muito. Ele me falou que iria voar baixinho, pra poder eu filmar melhor. Comecei a observar a praia do alto, cada vez mais extasiada com a beleza do lugar. Uma sensação de liberdade se apossou de mim, como se as asas do ultraleve fossem as “minhas asas”, e eu nem tive medo  de cair!! Observar o mar, a areia branquinha lá em baixo, os coqueiros, que vistos de cima, mais pareciam um tapete verde, entrecortados por morros de areia colorida... Tudo aquilo era lindo demais!!
O piloto seguia calado, de vez em quando mostrando alguns lugares que ele achava interessante para eu filmar. O vôo começou a ficar mais demorado e de repente eu me toquei: eu estava voando, numa praia deserta, ao lado de um desconhecido, que eu nem mesmo sabia o nome!! Comecei a ficar com medo da situação. A adrenalina começou a ser liberada mais intensamente, meu coração acelerou, e eu nem conseguia mais ver direito a beleza do lugar. E se ele não fosse do bem? E se resolvesse parar num lugar deserto e.... Ai, meu Deus, nem quero pensar!!! Será que eu vou ter pernas suficientes para correr?!?! Eu já nem conseguia respirar direito. O vôo seguia em frente e ele nem demonstrava intenção de voltar. E eu pensava: “ele não falou que seria um passeio rápido?”
Já estávamos quase chegando a Canoa Quebrada, praia do Ceará, que fica próximo de Tibau. E eu toda tensa, nem conseguia mais apreciar a beleza da paisagem. De repente, o ultraleve começou a descer num lugar completamente deserto!! Não sei a quanto foi minha freqüência cardíaca. Pensei: “é agora!”  A muito custo, tive coragem de perguntar: “o que houve? Algum problema?” E ele: “nenhum problema, vou só descer um pouquinho...”
O pouso foi tranquilo. A praia, completamente deserta, não tinha sequer uma barraquinha vendendo água de coco. E eu, tensa, nem conseguia olhar de lado. O suor escorria pelo meu rosto, mas eu acho que não era pelo calor. Acho que o piloto percebeu minha tensão, e no mínimo, estava se divertindo muito com aquilo.
Quando o ultraleve parou completamente, e eu nem sabia mais se meu coração estava batendo, ou mesmo se eu estava respirando, ele falou: “Desci apenas pra conversar um pouco. Lá em cima, não dá pra falar, o barulho não deixa”. Aí, se apresentou. Falou o seu nome (que infelizmente não lembro), que era professor da Universidade em Mossoró, e morava lá, gostava de voar e tinha o ultraleve como diversão nos fins de semana.  Falou mais alguma coisa sobre ele e eu também me apresentei, falei quem eu era, o que fazia, que adorava fotografia e que por isso era capaz de me arriscar... Depois de alguns minutos, já éramos “velhos amigos”. Ele me deu um cartão, com seu nome e endereço, telefone, e eu prometi que faria uma cópia da fita e enviaria para ele.
O vôo de volta foi tranquilo e mais rápido. Quando chegamos, meu marido, meu sogro e minha cunhada continuavam no mesmo lugar, de plantão, esperando por mim.
Agradeci ao piloto-professor pelo passeio, e mais uma vez me comprometi em enviar-lhe a cópia da fita. Mas não cumpri a promessa. Perdi o cartão que ele me deu, e fiquei sem ter como encontrá-lo. Apesar de que, se na época eu tivesse procurado na Universidade, em Mossoró, um professor que tinha um ultraleve, seria fácil localizar. Mas o tempo foi passando, e eu deixei pra lá. A fita, com o tempo, mofou, e eu nem sei se dá pra recuperar. De lembrança, tenho essa foto, que minha cunhada tirou, quando me preparava para decolar. Se alguém por acaso reconhecer o professor-piloto, e puder me ajudar a localizá-lo, seria bom. Gostaria de poder agradecer a ele novamente pelo passeio, e pedir-lhe desculpas por não ter cumprido a minha promessa, mesmo depois de ele ter sido tão gentil comigo...

domingo, 4 de setembro de 2011

História de Assombração(zinha)


Todo mundo ja ouviu falar em histórias de almas penadas que assombram os hospitais. E existem pessoas que se deliciam inventando histórias, que quando passam de boca em boca, terminam se transformando em verdadeiros roteiros de filmes de suspense, com fantasmas arrastando correntes pelos corredores. Pessoas sugestionáveis costumam acreditar em tudo, morrem de medo de ficar sozinhas e um simples barulho vindo de qualquer lugar, no silêncio da madrugada, vira algo pavoroso. Sempre fui muito cautelosa em acreditar em tudo, acho que existe mesmo é muito exagero, criado muitas vezes pelo medo das pessoas. Eu mesma já passei por uma dessas.
Eu era estudante de medicina e dava plantões na Maternidade Cândida Vargas, em João Pessoa, na época, chamada também “Maternidade do INAMPS”. Era a maternidade de referência no Estado, onde aconteciam  dos partos mais simples aos mais complicados, e quem quisesse aprender obstetrícia tinha que quase obrigatoriamente passar por lá. O corpo clinico dos plantões se constituía dos médicos “staffs”, os residentes, os internos (estudantes do último ano de medicina), e por último, os acadêmicos a partir do quarto ano. Era muita gente, concordo, mas todo mundo tinha oportunidade de fazer alguma coisa, pois como já falei, o movimento era muito grande. Posso dizer que o período que passei por lá foi fundamental para que eu adquirisse muito dos conhecimentos necessários para iniciar minha vida profissional. Ainda me lembro do primeiro parto que fiz, quando tomei um verdadeiro banho de líquido amniótico!! (Isso é considerado um verdadeiro “batismo” para quem quer fazer obstetrícia).
Os plantões eram de 24 horas, cansativos, mas terminavam sendo divertidos. Nos poucos momentos de folga, aproveitávamos para ouvir as histórias das funcionárias antigas da maternidade, que tinham o maior prazer em nos contar casos de almas que apareciam nos corredores, principalmente depois de meia noite. E eu, apesar de não acreditar em tudo, não gostava muito de andar sozinha pelos corredores de madrugada. Durante o dia, e até meia noite, todo mundo trabalhava junto, e depois, o plantão era dividido em dois horários. Uma turma ia descansar até as 3:30h, quando assumia o lugar dos que tinham ficado direto. Eu não gostava de ir descansar no primeiro horário, pois geralmente, devido ao cansaço, demorava para adormecer e quando isso acontecia já era hora de levantar.
Naquela noite, o plantão estava calmo, depois de um dia agitado. Poucos estudantes haviam comparecido e  tivemos que escolher, através de sorteio, quem iria dormir no primeiro horário. Eu e Rosângela fomos as premiadas.
Depois da ceia das 23 horas, resolvemos nos recolher, já que estava tudo calmo. A maternidade é enorme e a noite, todo o movimento se concentrava no andar superior, onde ficavam as enfermarias, salas de pré parto,  salas de parto e centro cirúrgico. Não sei se hoje ainda é assim. No andar térreo, ficavam a sala de admissão das pacientes, ambulatório,  a parte administrativa, algumas salas de aula, e no final do corredor, os dormitórios dos médicos e dos estudantes. Durante o dia, tudo era muito movimentado, mas a noite, aquilo virava um verdadeiro deserto, pois a única coisa que funcionava era a sala de admissão, e só descíamos quando chegava alguma paciente.
Eu e Rosangela caminhávamos temerosas pelos corredores desertos, depois de ouvirmos mais uma daquelas histórias de fantasmas, contadas por uma funcionaria, na hora da ceia. O silêncio e a penumbra dos corredores  dava um ar meio fantasmagórico ao ambiente. Mas estávamos em dupla, e uma dava segurança à outra...
Entramos no quarto deserto, e nos preparamos para tentar dormir um pouco. O quarto era enorme, cheio de camas, distribuídas paralelamente, todas vazias, pois o resto do pessoal havia ficado trabalhando. Escolhemos nossas camas, próximas uma da outra e depois daquele ritual que todo mundo faz antes de dormir, resolvemos nos deitar e aproveitar o máximo daquele pouco tempo que tínhamos para descansar. Ainda conversamos durante alguns minutos, até que nos demos boa noite e fechamos nossos  olhos...
Eu ainda não havia conseguido dormir, quando de repente, alguém acendeu a luz do quarto. A principio, imaginei que fosse uma das nossas colegas, que viera nos chamar para ajudar em alguma cirurgia. Continuei com os olhos fechados, esperando que alguém falasse, porém, o quarto continuou no maior silencio... Na cama ao lado, Rosangela também pensava a mesma coisa. Quinze, trinta segundos, um minuto, e nada!!! Comecei a estranhar aquele silêncio e a luz continuava acesa. Abri os olhos, e não vi ninguém dentro do quarto. O coração começou a acelerar e olhei para a cama ao lado, onde Rosangela parecia dormir. Na mesma hora, ela, que também estava até aquele momento esperando a mesma coisa que eu, levantou a cabeça e olhou para mim, sem falar nada, mas indagando com os olhos: “Quem acendeu a luz?”
Sem falar nada, e quase ao mesmo tempo, nos levantamos e saímos em disparada, correndo pelos corredores da maternidade, que pareciam não ter fim!! Não sei quem correu primeiro, mas acho que foi ela, porque corria na minha frente, e eu, sem conseguir alcançá-la, tinha a sensação nítida de que alguém corria atrás de mim. Conseguia até mesmo sentir a sua respiração!!  
Não sei quantos segundos demoramos para chegar lá em cima, nem lembro como subimos as escadas. E quando, ofegantes, conseguimos contar à turma o que havia acontecido, todo mundo caiu na risada e uma das nossas colegas falou: “Não quero decepcionar vocês, mas a alma que vocês viram é a lâmpada fluorescente que está com defeito”...
Lâmpada com defeito ou alma do outro mundo, o certo é que naquela noite, eu e Rosângela não voltamos mais para o quarto e trabalhamos direto, até as 7h da manhã!