quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Primeira Viagem - Entre o Rio e o Céu

Lá estava eu, na sala do Diretor, o papel com a autorização de viagem me queimando as mãos. Meu estágio probatório terminara há umas três semanas, e eu ainda tinha esperanças de que  a Fundação SESP me deixasse mesmo em Santarém. Já tinha me apaixonado por aquela cidade, estava me adaptando bem ao trabalho no hospital, tinha vários amigos e deixara bem claro ao Diretor Regional que gostaria de permanecer ali. O que eu não sabia era que estava usando a tática errada, pois naquela época, o bom Diretor era aquele que fosse o mais carrasco e fizesse exatamente o contrário do que os funcionários desejavam.  Eu deveria ter dito a ele que não queria ficar ali.  Então, naquele dia, meu sonho foi por água abaixo, quando o Diretor me chamou a fim de  informar que chegara a ordem para que eu viajasse no dia seguinte com destino a Itaituba. Eu nunca tinha ouvido  falar nessa cidade, até chegar ao Pará, e não gostei do que ouvi a respeito dela. Cidade que crescia desordenadamente, muitos garimpos, violência explodindo na disputa pelo ouro, sem contar que o custo de vida era altíssimo!
Engoli minha desilusão, afinal, quando me dispus a trabalhar na Amazônia, estava disposta a ir a qualquer lugar. Mas, quando olhei a autorização de viagem e vi bem claro o meio de transporte – fluvial, fiquei gelada. Eu nunca tinha viajado de barco, e, apesar de ser meio aventureira, e achar o rio Tapajós lindo, não me agradava viajar à noite, num barco cheio de garimpeiros mal-educados,  que se achavam os donos do mundo!! A enfermeira já me alertara, pois tinha ido de barco uma vez e de madrugada acordou com um homem querendo deitar na rede dela! (lá, as pessoas viajam em redes, nos barcos). Bati o pé e disse ao Diretor  que não iria de barco, e sim de avião, mesmo que eu tivesse que pagar minha passagem. Mas ele estava irredutível. Tinha que cumprir ordens da Diretoria Regional, e a ordem era para que eu fosse de barco, e ele não poderia se responsabilizar. Esse Diretor era conhecido entre os funcionários como “o carrasco”, e uma vez, colocara falta em si próprio, por ter chegado atrasado ao trabalho, só para dar o exemplo!!
Disse a ele que ligasse para o Diretor Regional e avisasse que eu estava pedindo demissão, que voltaria para casa!! Saí de lá irritada, decepcionada, principalmente pelo fato de ter que ir embora de Santarém. É claro que eu pretendia ainda fazer muitas viagens de barco, mas não naquelas circunstâncias.
Pouco tempo depois, fui chamada novamente à sala da diretoria.  O Diretor falou então que havia ligado para a Regional e que eles haviam reconsiderado o meu caso, e que eu poderia viajar de avião. Não me surpreendi, pois sabia o quanto estavam precisando de médico em Itaituba, e seria, no mínimo, falta de inteligência da parte deles, perder mais um profissional só para não mudar uma ordem de viagem!
No dia seguinte, logo cedo, meus amigos me deixaram no aeroporto, para pegar o meu primeiro vôo pela TABA (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica – ou Transportes Aéreos Bastante Arriscados – como era chamada na região). Fiquei pensando se realmente havia agido corretamente, pois viajar de TABA não era também tão seguro, já que eram freqüentes os “pequenos incidentes”. Bom, pelo menos o tempo de exposição ao perigo vai ser menor, pensei, já que o tempo de vôo é bem mais curto, cerca de uma hora de viagem, enquanto de barco, teria que viajar a noite inteira. Despedi-me dos meus amigos, e fiquei lá, esperando o avião , que vinha de Belém. O vôo estava previsto para as 7 horas, e chegou bem no horário.
  Fazia mais de meia hora que o avião estava lá, parado na pista, e nada dos passageiros desembarcarem. Começamos a estranhar essa demora, quando fomos informados que estava havendo dificuldades em abrirem a porta do avião!!!  Depois de muitas tentativas, conseguiram arrombar a porta e os passageiros começaram o desembarque, já suados e estressados pela demora. Passou mais meia hora, uma hora, duas, e nada de nos chamarem para o embarque. E o avião lá, parado na pista,  os mecânicos tentando consertar a porta. Começou a haver um pequeno tumulto no aeroporto, pois os passageiros que iriam embarcar queriam uma explicação por aquela demora. O vôo sairia lotado, em sua maioria por garimpeiros. De mulher, só eu e uma enfermeira que não trabalhava lá, mas estava indo visitar o marido, que também estava no garimpo. E tinha outra mulher, Sandrinha, que depois soubemos ser uma cantora, que estava indo fazer um show num circo da cidade. Sandrinha fez logo sucesso entre os garimpeiros, e andava de um lado a outro do aeroporto, seguida por eles, que aos poucos, com a demora, começaram a se embriagar.
 Já era mais de meio dia, e nada de consertarem o avião. A TABA nos ofereceu almoço, e a essa altura, a maioria dos passageiros já estava totalmente embriagada e de sóbrios só eu, a enfermeira e um rapaz que se juntou a nós. Sandrinha continuava lá, no meio dos garimpeiros, andando de um lado para outro,  parecendo uma cadela no cio...
Finalmente, soubemos que a TABA resolvera mandar vir outro avião de Belém, e já era quase quatro horas da tarde quando finalmente, embarcamos. O sol já estava se pondo quando o avião pousou e eu pisei, pela primeira vez, no solo de Itaituba...

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